Motocicleta pelo Brasil 29 JERICOACOARA – CE

29 JERICOACOARA – CE


 

 

Estradas bastante irregulares, ora boa ora ruim, com muitos desníveis e muitos trechos com ranhuras no asfalto. Certamente o engenheiro que autorizou fazer tais ranhuras não tem e nunca andou de motocicleta. A moto fica instável e o guiar deve ser firme, seguro para evitar uma queda. A velocidade deve diminuir e procurar os espaços menos irregulares é a preocupação neste momento. 

 

Chegamos em Jijoca e uma avalanche de guias vem para oferecer o transporte até Jericoacoara. Existem opções de bugues e de pau de arara que são caminhonetes que fazem o transporte pelas dunas até Jericoacoara.

 

O lugarejo não tem asfalto, a energia elétrica é subterrânea, toda com rede de esgoto, poucas casas de nativos e muitas pousadas, restaurantes, lojinhas e minemercados. É um lugar diferente de todos que já passamos.

A menina da pousada nos disse que nasceu na região e que já foi até Fortaleza mas não gostou do asfalto e da calçada. Disse ela que é muito duro para andar. Por aqui até o piso das lojas e restaurantes são de areia.

 

Quem se aventura ir com seu próprio veiculo, o que não se aconselha devido aos perigos de trafegar por areias em suas constantes mudanças, tem que deixar o veiculo no estacionamento na entrada da cidade. Somente veículos autorizados de moradores, bugueiros, paus de arara e motos podem circular pelas ruas estreitas de areia. 

 

A praia tem areias cinzas firmes e planas, bom para caminhadas. As montanhas de areias das dunas a beira mar é de uma beleza impar com 30, 40 metros de altura e muito gostoso também para caminhadas com subidas e decidas. 

 

Jericoacoara é considerada uma das 10 praias mais belas do planeta e fica dentro de um parque nacional administrado pelo governo que tenta de todas as formas evitar que a ganância do progresso venha destruir a natureza privilegiada por aqui. 

Tentam evitar novas construções, impedem o trânsito de veículos não autorizados, tentam retirar nativos de lugares que querem preservar, travando uma luta constante de quem quer morar e progredir com quem quer preservar. Por mais que tentem o bom senso, o pobre reclama que o rico consegue benefícios e eles sofrem pressões para abandonar suas propriedades.

 

Um nativo me disse algo a se pensar “por que proibir e dificultar as pessoas de viver em meio a tanta beleza? Se é bonito as pessoas tem mais que usar e não ser proibido”. É uma visão interessante e não muito errada se o humano não pode usufruir do belo então para que serve o belo. Neste caso a parcimónia seria a salvação. Liberdade vigiada e educativa, não proibitiva e, se for para proibir, que seja para todos e não somente para quem tem poucos recursos financeiros. 

O nativo me disse que mora num espaço que a mais de 50 anos serve de moradia para suas gerações anteriores e agora fazem pressão para que saiam, pois ali não podem ter moradias. Sua mãezinha esta desgostosa e doente em pensar o tempo todo para onde irá quando não tiver mais jeito. É a pressão do estado oprimindo o pobre.

Uma caminhada da vila até a pedra furada, símbolo maior de Jericoacoara, pelas montanhas de areia, com caminhos ainda a serem formados, como disse o poeta latino “Caminhos se fazem ao andar”. 
 

 

A pedra furada fica estrategicamente localizada numa pequena praia e só é possível chegar a pé. A todo momento chega e sai gente para tirar suas fotografias e perpetuar aquele momento. A maioria tira foto e vai logo embora por que o guia estipulou um tempo de parada. 


Nós ficamos por horas no local observando a todos e deixando nosso corpo e pensamento soltos para aquele momento. Não fizemos somente uma visita para fotos, curtimos muito aquele espaço tão desejados por turistas de todos os cantos do mundo. 

 

 

A volta da pedra furada, com a maré baixa, é ainda mais fantástica. As visões se alteram a todo momento, com pisos diferentes, pedras coloridas, escaladas, piscinas naturais, cavernas, balanço das ondas e diferentes formações rochosas. Caminhamos uma hora na ida e mais uma hora de volta.

 

 

 

 

 

 

Os pescadores chegam na praia por volta das sete horas e várias pessoas ficam sondando para ver os peixes que eles trouxeram, fresquinhos do mar. Se vierem peixes que lhes interessam compram, se não, aguardam o próximo pescador para tentar comprar um peixe médio por 10 reais ou 1 real cada camarão. Se os compradores de praia não gostarem, o peixe fica com o pescador que depois se ocupa em vendê-los. Cada barco que atraca chama os curiosos que querem comprar somente peixes que lhes interessam.

 

Caminhamos pela praia até um vilarejo chamado Mangue Seco, 21 km ida e volta, passando por dunas, lagoas, rios e praias até chegamos a uma barraca às margens de um rio, onde comemos uma porção de garangueijos que a Ade escolheu a dedo no viveiro, em pleno mangue onde eles vivem. 

 

Antes e depois do carangueijo é possível tomar um banho de rio ou nos chuveiros instalados no mangue, ao lado do rio e da barraca que serve os carangueijos.

 

Na volta, passamos pela cidade que só tem uma rua, encontramos crianças brincando na areia, com brinquedos por eles inventados ou sentados sem fazer nada junto com os adultos. Parece que ainda não demonstram o vício pela web. 

Pelas ruas, porcos, galinhas, cachorros, bodes, cavalos e vacas convivem soltos. 


Em quase todo o nordeste, especialmente nas cidades pequenas, o uso do capacete e da idade mínima para pilotar motos não são fiscalizados.  

Em dois municípios ficamos sabendo que os vereadores tentam contrariar o Código Nacional de Trânsito, liberando o uso do capacete. Alegam que dificulta a identificação do bandido em caso de assalto e que as motos são meios de transporte muito comum e muitas vezes únicos em determinadas regiões, por isso, as regras devem ser diferenciadas. 

Vejam duas situações comuns de desrespeito às normas, mas que acabam como uma das poucas opções de transporte na região.

 

 

Um cachorro nos acompanhou até próximo de nossa casa e veio brincando com a Ade e comeu nossa bolacha. Ele corria atrás de motos, de carros, de bicicletas, de passarinho e até de um peixinho com olhos de neon que corre por cima da água do mar. O cachorro tentou pegá-lo várias vezes, mas não teve êxito. Só faltava. Um cachorro pescador.

É a terceira vez nesta viagem que um cachorro adota a gente por algumas horas.

 

 

 

No trajetos piscinas se formam na praia e um banho é irresistível. Encontramos  barracas abandonadas, pontes, mangues e riachos que merecem uma parada para observar. A Ade registrou nossa passagem pela barraca já quase engolida pelas areias.

 

Chegando em Jericoacoara uma duna com muitas pessoas esperando o pôr do sol, que hoje não pintou, estava nublado. Mesmo assim permaneceram até o último momento ao escurecer. 


Esperando o pôr do sol, impossível não rir tanto de felicidade, brincando nas areias macias.

 

A noite passeio pela cidade com bares rústicos, com bebidas e comidas variadas. 

 

 

Os donos da pousada são nativos da região e como muitos nordestinos, foram para São Paulo tentar a vida. Chegando lá o marido achou emprego em um restaurante e, naquela época, na década de 80, os europeus vinham para o Brasil recrutar trabalhadores para trabalhar nos serviços mais pesados. Veio um convite, aceitaram e foram morar em Portugal. Viveram por lá 10 anos e voltaram com recursos para montar uma boa pousada na terra natal, que hoje sustenta a família e ainda agrega irmãos, cunhados sobrinhos e amigos para trabalhar no negócio.
Durante o dia uma chuva forte formou riachos pelas ruas de areia. 

Caminhamos pelas dunas, por um caminho mais distante, subindo e descendo montanhas de areia até chegar na duna pôr do sol, onde novamente dezenas de pessoas estavam esperando o espetáculo e novamente fomos sacaneados pelas nuvens que taparam o esconder do sol no horizonte do mar. 


Pela manhã sim, ele brindou quem acordou cedo.

 

Olhando as pessoas que moram e trabalham aqui, percebo uma aparência saudável, sem os aspectos da tristeza. Duas ou mais pessoas, sempre estão conversando, alguns aguardam horas na sombra ou esperam na praça pacientemente a hora de ir trabalhar ou voltar para casa com sol ameno.

Caminham sempre devagar usando chinelos ou descalços e o short e camiseta  é a moda permanente para a maioria de homens e mulheres. É uma cidade pacata que se mostra agitada ao entardecer quando os turistas voltam dos passeios e lotam os bares com músicas ao vivo. 

Tenho certeza que seria uma experiência fantástica morar neste local por mais que trinta dias. Aqui tem vida com qualidade.

 

Talvez nem saibam das manchetes de hoje no mundo todo que falam dos meteoritos que atingiram a Terra na Rússia. Foi mais um acontecimento para complicar ainda mais o nosso entendimento a respeito do futuro do nosso planeta e da humanidade. Existem sinais dos homens: o papa renunciou. Existem sinais da natureza: meteoritos de 10 toneladas atingem a terra. Existem sinais da ciência: aquecimento gradativo. Existem sinais da previsão: calendário Maia. Existem sinais da fé: Jesus voltará. 

Mesmo ligando todos esses fatos, não existe uma forma de prever a evolução natural das coisas e por mais que tentarmos mudar as ocorrências, poderemos somente melhorar a hora atual, verdadeiro presente, ou no máximo, planejar e direcionar curtos períodos, desde que não interfira no fluxo maior de todo o universo.


É bom pensar sempre em como será. Só não vale sofrer por imaginar como seria um fim ou um caos instalado nos seres racionais que não poderão preservar a própria espécie mas podem e devem melhorar a estadia no presente. 

Saindo de Jericoacoara alugamos uma caminhonete que nos levou até Jijoca, onde deixamos a moto, passeando pelas dunas e pelas lagoas no trajeto. 


O  motorista, Aparecido Ribeiro, repentista de família, veio contando histórias e declamando rimas famosas de nordestinos pouco conhecidos. 

Durante a viagem eu dava o tema e ele fazia as rimas. 


Algumas eu anotei. Quando falei a ele o nome da Adenilde ele tentou falar, não conseguiu e declamou:
O nome da senhora e tão difícil de decorar, 
já tentei várias vezes falar
e a língua começa a enrolar. 

Depois fez outro:
A Ade para vir pro Ceará,
não fez muito sacrifício, 
largou em Curitiba seu edifício 
e se amarrou no bigode do Maurício. 

E mais outro:
Eu admiro o piloto, 
por causa do seu perfil, 
em cima da sua moto, 
merece belezas mil
e ele é quem percorre as estradas do Brasil.

No Trecho anterior, de Fortaleza, recebi um recado pelo blog, que me dá oportunidade de rever os motivos de nossa viagem. 

Um anônimo enviou esta mensagem “A viagem parece espetacular, como sempre são as viagens de moto. Mas o protagonista precisa lembrar que está viajando e curtir mais, sem se estressar com tantos problemas de consumo, de estrutura, de opinião política, de análise social e até de vestuários dos locais, etc, etc. O nível de críticas, observações negativas e reclamações é bem maior que o de elogios ou “curtições”. Viajar de moto não é para fazer análise política e sim para diversão, esse é o conselho que deixo, ao lado de meus parabéns pelo excelente projeto de vida. Grande abraço e boa viagem de outro Viajante de moto. “. 
 
Crítica aceita, vou procurar melhorar mas não posso esquecer que a idéia é justamente esta. Buscar ao máximo as entranhas de cada local e dar uma opinião. Penso que será assim que vamos agregar ainda mais valores nesta experiência. 

Não queremos somente curtir a viagem de moto. Queremos registrar tudo que eu e Ade estamos vivenciando. Queremos falar da beleza que é curtir uma viagem nos vários aspectos, especialmente daqueles que envolvem a qualidade dos humanos nas diferentes regiões.  

Queremos vivenciar o prazer de viajar de moto, conhecer os locais, as pessoas, comentar as decisões, o jeito de fazer as coisas,  a parcimônia, a caridade,  a necessidade, o descaso, a alegria, o costume, a comida, a virtude, a honestidade, o preço, a política, a tendência, a infraestrutura, o convívio, o comércio, a produção, o clima, a roupa, a sujeira, o trânsito, o comportamento, o perigo, a beleza e tudo mais que passar pelas nossas vidas durante a viagem.

Viajar de moto faz parte do projeto e nós planejamos muito mais do que somente ver as incansáveis belezas naturais de nosso País ou do prazer de pilotar pelas belas estradas.  Serão ao todo 10 meses de viagem e, não fossem tantas coisas para ver e sentir, poderíamos fazer esta viagem em um mês.

Assim, esta cena de um cachorro folgado que esculpiu sua própria cama na areia da praia, não podemos deixar escapar. 

 

Pegamos a moto em Jijoca e saímos pela estrada com chuvas de verão, rumo a cidade de Parnaiba, agora entrando no Piaui.





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