Rumo a Praia do Francês, região metropolitana de Maceió, por lindas estradas ladeadas pelo sertão semiárido de Alagoas. Mais rios secos e muita roça de cactos. Aqui o gado tem o que comer, por que plantam, mesmo no semiárido.
Passamos por diversos povoados todos quase sem nenhuma sombra para uma parada. Paramos em Arapiraca para tomar água de côco, abastecer e pegar informações. No posto de gasolina ou na lanchonete, basta você perguntar por um destino que várias pessoas aparecem e se entrometem na conversa para também dar suas dicas.
Antes de chegarmos no litoral duas coisas chamaram a atenção. A primeira foi que onde as plantas estão mais verdes e tem água nos rios, o campo está coberto de cana.
Não entendo como pode o ser humano dar preferência para atividades que dá mais dinheiro do que produzir alimentos para o próprio povo e animais. E o pior. Fiquei sabendo que todo etanol e açucar produzido nas usinas da região, que usam caminhões pesados e lentos e estragam a estrada transportando a cana, colhidas por trabalhadores explorados, vai direto para o porto. Será que é exportado? Nossa, que feio.
A segunda é uma bela rodovia com duas pistas, quase sem movimento, entre o mar e a BR 101. Na BR 101, por onde passa a produção, movimento intenso, perigo constante, acidente grave, atraso e aumento do custo transporte, é ainda com pista simples.
É o lazer sobrepondo o necessário, o passeio com prioridade ao transporte de cargas, o automóvel antes do caminhão.
As palavras “Ordem e Progresso”, escritas no meio da Bandeira do Brasil, deveriam ser entendidas como a “ordem gera o progresso”. Se assim fosse, governantes se uniriam na ordem, priorizando a vida e praticando o Kaizen para o progresso (kaizen, do japonês 改 善, mudança para melhor, melhoria contínua, gradual, na vida em geral, sempre). A estrada da praia é boa e tem que ser boa, mas a BR 101 seria a prioridade na duplicação. Tudo bem. Um dia as duas estarão duplicadas.
Chegamos na Praia do Francês com muitas opções de pousadas boas, quase nenhuma tem garagem, tem muita poeira de areia nas ruas.
Escolhemos uma pousada que depois de negociar, o preço baixou 20%.
Aqui no nordeste nunca é o preço inicial. Sempre é possível negociar em hotéis, restaurantes e até posto de gasolina. Eles praticam preços menores no dinheiro. No cartão é 10% a mais. Os empregados tem o poder de um primeiro desconto e o gerente ou proprietário tem ofertas melhores ainda.
Se for pra negociar é com a Ade. Eu não sei muito bem pedir desconto. Tem lugares que ela vai conseguindo diminuir tanto que eu fico com dó do proprietário. Mas é bom. Tem coisas que realmente não valem o que pedem. Esta pousada praticou um preço justo e um ótimo atendimento.
Fomos a Maceió trocar pastilhas de freio da moto e andamos pela cidade, agitada, com trânsito nervoso, muita buzina e excesso de velocidade. Várias ambulâncias com sirenes ligadas. Vimos uma colisão quando um carro parou na faixa para o pedestre e a moto bateu no fundo, como dizem por aqui.
Quando fomos atravessar uma avenida, sem faixa de pedestre, um rapaz veio ao nosso encontro avisar para tomarmos cuidado por que os motociclistas passam pelo corredor e atropelam as pessoas. Agradecemos a gentileza dele em nos alertar de um perigo de rotina naquele local.
É preciso sempre estar atento ao atravessar uma rua de movimento intenso, especialmente em locais que você não conhece muito bem.
Os perigos e atrapalhos de um atropelamento pode ser evitado com alguns cuidados:
- Dê preferência à faixa de pedestres, se não existir, procure um local de melhor visão, quase sempre no meio da quadra é bom;
- Olhe para os dois lados, independentemente do sentido do tráfego;
- Atravesse rapidamente, com direção a 90 graus da rua;
- No trânsito parado, cuidado com motos no corredor.
Fomos em um supermercado que sem duvidas é o mais bonito que já ví. Muito bem organizado com variedades de importados, com gôndolas, pisos, banheiros e atendimento na mais perfeita ordem. É muito chique pelo que aparenta a cidade. Poucas pessoas no mercado para tanta beleza e qualidade.
Fomos no Mercado Municipal muito cheio, sujo, cheira ruim, tem esgoto a céu aberto, poeira, enfim, não dá vontade de comprar e nem de passear.
Compramos camarão na casa dos pescadores, na orla de Maceió, voltamos e comemos um belo risoto “a la Ade”.
Caminhamos pela praia com arrecifes à mostra, areia macia, água morna e terreno inclinado. Fomos até a Praia do Saco, 9,3 km ida e volta. Tem um braço de mar que margeia a areia com uma linda visão de Maceió ao fundo. É uma bela piscina natural.
Encontramos pessoas que desafiaram o mar no passado, ocupando o seu espaço. Agora a força do mar que foi vencida temporariamente, está retomando.
Paramos para conversar com o dono de um curral de peixes arrumando sua cerca. Ele nos disse que a idéia foi deixada por holandeses e a marinha concedeu a eles o direito de cuidar de currais na praia.
Ele reclama que o povo da cidade vem para furtar seus peixes e ainda rasgam suas redes. Sua produção vai para um restaurante na cidade. Todo dia tem peixe na armadilha, que eles chamam de curral.
Caminhamos na Praia rumo ao sul até próximo de São Miguel da Barra. 8,6 km Ida e volta.
Enquanto eu caminhada a Ade corria na frente. Se distanciou muito e avistou um homem suspeito em plena praia deserta, virou e voltou correndo. Atitude corretíssima. Na dúvida não ultrapasse.
Conhecemos a casa onde nasceu e viveu na infância, um homem que foi responsável por uma grande mudança em nosso país.
Marechal Deodoro da Fonseca, filho da Dona Roza, que teve 10 filhos, sendo nove homens, todos do exército, e uma mulher. A cidade onde ele nasceu, agora tem o seu nome.
Em Maceió, passamos por uma bela lagoa, por uma avenida projetada para formar um belo lugar e os sintomas da pobreza e da miséria tomaram conta com uma enorme comunidade, que é como eles chamam a favela por aqui. Várias invasões desordenadas ficam entre a avenida e a lagoa.
Dizem que a prefeitura já tentou tirá-los de lá, dando casas populares e a comunidade só aumenta. Relocar os moradores só aumenta o problema. Se for em benefício da maioria e melhorias no convívio, as vezes é preciso o uso da força radical do poder público.
Onde seria um belo lugar para passeios na cidade, ficou feio e sem condiçoes dignas para os moradores daquele local.
Maceió é diferente. Tem lugares com amontuado de casas que mais parecem barracos, se alternando nos espaços com edifícios, residências e comércio de luxo. O rico e o pobre são vizinhos em várias partes da cidade.
Na praia muita gente e a cidade cheira churrasco na hora do almoço de domingo. Muitas churrascarias e muita gente em casa, na calçada, na praia e até dentro dos rios pessoas se reúnem e fazem churrasco.
Comemos camarão crocante, típico do restaurante. Veio em um prato enorme, com folhas de alface, 10 ou 15 camarões pequenos e o resto era uma massa de bolinho envolta dos camarões e pedaços de massa que se parecem com os camarões. Aquilo foi enganar o cliente. Mas o lugar é lindo.
Quatro velhinhos apareceram tocando forró com zabumba, triângulo, sanfona e voz, cantando de bar em bar a troco de trocados.
Do restaurante se vê um lago enorme, que mais parece um rio, com canoas, lanchas, jet sky e gente se divertindo numa tarde de domingo.
Na pousada, ficamos conversando horas com o piloto e sua namorada, comissária de bordo, comendo tainha e falando sobre tudo. Recordando fatos, mostramos fotos, contamos piadas, dando opiniões, trocando sabedoria e lá se foram horas de amizade, como se fossemos antigos conhecidos numa conversa franca e descontraída. Isto ajuda na boa manutenção da vida.
Enfim consegui completar a revisão da moto. Estava faltando trocar a lona do freio traseiro que veio de Curitiba pelo correio. Demorou 5 dias.
Compramos lagostas grandes e frescas, fizemos em casa e ficou maravilhosa, com salada, arroz e vinagrete. Patinhas de lagosta com vinagrete é uma delícia.
Acabou a energia e a cidade ficou no escuro. Acendemos velas e luzes de emergência e ficamos no jardim conversando com um casal do Sergipe e outro do Mato Grosso.
A mulher do Sergipe é engenheira florestal e disse que é totalmente a favor do desmatamento. Ela disse que para cada árvore derrubada vem os “ecochatos” e plantam 10 outras. Perguntei a ela por que então as mata estão diminuindo em todo País e ela deu uma resposta bem oposta aos seus comentários. Disse estar preocupada por que a mata derrubada, que serve como barreira natural, poderá provocar furacões no futuro. Interessante. Uma engenheira que apóia o corte de árvores e reconhece a falta que vai fazer. Culpa da faculdade que não ensinou o valor da sustentabilidade na linha do tempo. Eu digo que é da faculdade por que “se o aluno não aprendeu, o mestre não ensinou”.
Fomos nadar mas piscinas formadas nos desniveis que o movimento do mar proporciona. A sensação de entrar na água transparente de perto e verde de longe, com chão de areas macias é puro sentimento de gostoso.
O sentimento é de gostoso em estar neste lugar. A perna do banhista eu segurei sem querer. Nao é terra dos gigantes.
Antes de irmos para o mar passamos num restaurante de sabores nordestino e pedimos para preparar uma buchada de bóde. Eu estava ansioso para comer este prato muito consumido na região e muito falado no Brasil todo. A aparência da comida não é das melhores mas o sabor compensa. Coma pelo menos uma buchada de bode na vida. Eu já comi a minha. A Ade provou e não comeu.
Mudamos de pousada para outra que é do mesmo dono, um casal de italianos que tem também um shopping e uma loja na cidade.
Empregam trabalhadores brasileiros, pagam salário mínimo e reclamam que nosso povo não tem aspirações. Dizem que os trabalhadores da região não tem ambição, não pensam no amanhã, não cuidam de suas heranças, não poupam, não se preparam e ficam por anos no mesmo emprego ganhando o mesmo salário.
Por conseqüência, a maioria das pessoas que por aqui trabalham são sobrecarregadas, ficam grande parte do seu tempo no trabalho, pulam dias de descanso, as férias é uma conveniência do patrão, não tem uniformes, EPIs, cesta básica, horas extras ou vale transporte. Em reconhecimento, eu e a Ade sempre agradecemos a quem nos presta serviços e alguns presenteamos com chocolates ou gorjetas.
Fica o nossa gratidão a esses trabalhadores pelos serviços que prestam.
Fica um conselho aos trabalhadores para que procurem se qualificar e criar novas oportunidades.
Fica um pedido aos empregadores para que humanizem seus negócios.
Fica, por fim, um apelo aos órgãos governamentais e sindicatos para que fiscalizem, orientem e cobrem direitos e deveres de empregados e empregadores.
Meu amigo pirata chegou para me lamber e se esfregar balançando o rabo. O pirata é um vira lata, amoroso, brincalhão e obediente. Ficava mordendo minha mão sem machucar.
Fomos a Maceió e compramos carvão, cordeiro e coxa de frango dessossada. Muito para dois. Preparei a churrasqueira e a família do vizinho, já amigos, estavam na piscina. Quatro pessoas. Convidei eles para participar, ele adora fazer churrasco, já foi arrumando o carvão com um método especial de ascender o fogo com embalagem de ovos, coloquei a carne, a Ade fez uma salada e um arroz com legumes, sem saber ainda que teríamos visitas. Chegou mais um casal de vizinhos, também já amigos. Ao todo ficamos em 8 para uma comida pensada para dois.
Com a comida pronta eu disse a eles que todos poderíamos comer um pouco de tudo o que tínhamos. Eram 4 horas da tarde e todos eles já haviam almoçado e só beliscaram no churrasco, mas todos comeram, inclusive o Pirata.
O churrasco que era para dois, comeram oito e mais o Pirata. Foi como uma réplica do milagre do pão.
A tarde foi agradável especialmente pela conversa que tivemos com um dentista da presidência da república, um médico diretor de hospital, suas esposas e filhos. A conversa foi até a noite.
Durante a nossa viagem sempre estamos pensando nas pessoas da nossa rotina que deixamos em Curitiba. Se no sul dá vontade de comprar uma camiseta para vocês com os dizeres “lembrei de você” aqui é assim…