Deixamos Porto de Galinhas e fomos para Recife/Olinda. É assim que é chamada a região, quase sempre com o nome das duas cidades.
Procuramos por horas um local para pouso e quase todos lotados. Chegar na recepção do hotel por aqui e querer ficar por uma semana é quase impossível. Não tem vagas, as reservas já foram feitas.
Pegamos ajuda na web, GPS, guias, mapas, centro de informações de turismo, perguntando para pessoas na rua, taxicistas e depois nos disseram que tínhamos também que conversar com o síndico e com porteiros de edificios residenciais. Alugar suas casas é uma forma de hospedagem muito forte e antiga aqui no Recife/Olinda. Totalmente informal, exigem pagamento em dinheiro. Vimos alguns mas não gostamos.
Depois de 3 horas de procura, um motociclista nos deu uma dica de onde ficar. Pouco para o alto preço, ficamos em Boa Viagem a praia nobre da cidade.
Orla muito bonita, edifícios enormes, a maioria de luxo, alguns hotéis, poucos restaurantes, uma avenida com pista em sentindo único, asfalto bom, alta velocidade e muito perigo para o pedestre atravessar.
A praia em Boa Viagem, como a maioria das praias na região é formada por piscinas naturais de águas lindas e mornas. Apesar da beleza e da qualidade dos locais para banho, poucos corajosos entram em suas tenebrosas águas.
O motivo: Placas de alerta sobre ataques de tubarão.
Conta-se que na história foram 160 ataques que já ocorreram nas praias da cidade e centenas de aparições narradas pelos pescadores. Diante do enorme risco econômico, a prefeitura que se vê obrigada a indenizar acidentados mordidos pela fera do mar, resolveu avisar os turistas e moradores, espalhando placas por toda a orla. O aviso nas placas assustam banhistas e por isso por aqui não se vê gente no mar.
O centro de Recife é cheio de atrações bonitas para se visitar. Um mercado central, não muito limpo mas bastante diversificado e muitos prédios históricos entre edifícios modernos, altos e muitos deles em duplicatas. São várias torres gêmeas.
Também nos chamou a atenção a quantidade de hospitais, clínicas, laboratórios, consultórios e farmácias na cidade. É uma grande estrutura da saúde que também dá a impressão de uma grande indústria da doença.
Passear de moto pelas ruas principais de Recife é muito bom. Asfalto liso, boa sinalização, várias pistas, fluxo contínuo e poucos engarrafamentos no trânsito.
Fomos ao shopping ainda em fase de inauguração, funcionando junto com obras e montagem de lojas. O shopping, dizem por aqui, é o maior da América Latina. É enorme, bonito proporciona uma visão fantástica da cidade mas é confuso para conhecer.
Seus longos corredores, travessas, curvas e diferentes andares, levam visitantes a se perder no mega empreendimento. Tomamos um bom e pequeno café de 7 reais na enorme livraria, com uma completa coleção literária. Muito bom de ficar horas, conhecendo as obras à venda.
No centro histórico de Olinda, caminhando pelas vielas bem calçadas com pedras, encontramos uma pousada para onde nos mudamos. A estrutura e a localização de melhor qualidade, em pleno local do agito, nos fez gostar ainda mais da região.
A cidade de Olinda é cheia de casas que se transformam em dormitórios coletivos, especialmente no carnaval. A pousada que estamos tem 21 quartos e hospeda até 120 pessoas nos dias de festa. As diárias obviamente aumentam.
A cidade de Olinda é bem cuidada, preservada, gente simpática e agradável.
Fomos a uma feira enorme, onde se vende de tudo. Imagine que este cidadão tentou me vender um pneu de moto usado, tinha outros cacarecos e uma melancia escondida.
Num restaurante rústico com pose de requinte, comemos bobó de camarão e macaxeira com carne de sol.
A cidade é de artistas. Tem pelo menos um grande evento por mês e quase toda semana tem amostras de cinema, dança, teatro, música, poesia, pintura, artesanato. A cidade é uma festa o ano todo com espaços enormes para as artes.
Blocos de Maracatú ensaiam o ritmo do próximo carnaval, todo domingo a tarde, o ano inteiro.
Ensaiam nas praças e depois saem pelas ladeiras, tocando, dançando e arrastando as pessoas para a alegria. Isto é bom. Sem bêbados com exceção daqueles alterados que sempre aparecem nas festas de rua, agindo como se fossem os mais felizes. Sempre aparece um, numa mistura de bêbado, louco e mendigo. Normalmente são engraçados.
Tem músicas de barzinho.
Tem shows regionais em palcos montados nas praças.
Tem movimentos livres que é uma mistura de dança com acrobacias. Os meninos que dançam são magros, com pele queimada pelo sol e um estilo próprio de se vestir. Por lá apareceu uma menina, foi chegando devagar, com pele bem branca, cor de leite, trazendo um bambolê, tentou alguns passos, os meninos tentaram ajudá-la e ela dançou um pouquinho toda desajeitada. Corajosa, foi ruim mas experimentou.
Pelas ruas, pessoas com instrumentos musicais passam a todo momento e ficam tocando pelas praças.
Fomos a uma disputa de DJs promovida pela Red Bull, muito bem organizado, com um show de luzes fantástico, com uma precisão eletrônica admirável, iluminando a fachada da prefeitura.
São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Pará disputando estilos variados de funck, rap, hip hop, misturando ritmos eletrônicos e passos de dança. Este estilo de música é estranho. A voz não acompanha o ritmo, um grita o outro fala manso, um treme o corpo todo, outra faz insinuação sensual, protesto, palavra de ordem, refrão famoso, rima inventada na hora, tudo com melodia eletrônica, com uma bela qualidade de som, alto e gostoso de ouvir, mas não muito.
Este um tipo de música fere a qualidade de um repentista ou de tantos outros poetas da música. Pior ainda quando eles pegam músicas famosas e fazem dela um plágio. O grupo do Rio, por exemplo, assassinou a Asa Branca. Não sabiam sequer a letra mas o eletrônico ficou bom.
Neste show foi possivel perceber os estilos completamente diferentes de cada estado, nesta arte. Após 4 rodadas, Pernambuco ganhou o desafio da batida vertical. Show digno de uma empresa que espera um dia ter a maioria dos seres humanos consumindo pelo menos um energético por dia. Seria outra coca cola surgindo no mundo?
Passeamos pelas ladeiras famosas de Olinda, passando por um bar tradicional, por muitas lojas de artesanatos e por uma das fábricas dos bonecos gigantes. A Ade até ensaiou alguns passos do Frevo, ao lado da gigante Maria Bethânea.
Ouvir o sino de bronze badalar de dentro da igreja não tem preço, especialmente quando as badaladas estão no final. As últimas badaladas são divinas. Experimentem.
Na frente da igreja pessoas se reúnem para tirar fotos de formatura, casamentos, turistas em visita e anciões que esperam para receber donativos da paróquia.
Eu sentado na praça em frente da nossa casa, os formandos prontos e o fotógrafo não aparecia. Ligaram para e ele disse que estava preso no trânsito.
Começaram a tirar algumas fotos por conta, eu me ofereci para ser o fotógrafo substituto e todos aceitaram na hora. Se posicionavam e eu ajudava nas poses. Me deram várias máquinas fotográficas, celulares e esperavam pacientemente até que eu batesse as fotos com todas as máquinas.
O fotógrafo chegou, levou uma bronca geral e eu fui dispensado. Espero que as fotos que tirei tenham ficado boas. Fiz várias do grupo todo, de grupos menores e de gente sozinha. Eles pediam e eu ia clicando.
A noite encontramos um artista plástico, criando uma obra na varanda de seu Ateliê. Paramos para conversar, falamos de pintura, cultura geral, da cidade e o papo se estendeu.
Contei sobre a nossa viagem de moto pelo Brasil e ele contou que conheceu um homem que viaja pelo mundo e vivia de forma sustentável. Ele mesmo escolhia onde viver, o que comer, onde dormir, não tem registros, não participa da sociedade e não paga impostos. Disse que era uma filosofia de vida, uma escolha individual do cara. Até concordo que uma experiência assim é fantástica, desde que houvesse uma meta, com tempo definido e depois voltar a uma vida digna, no ganha e gasta dinheiro, segurança e conforto.
Meu novo amigo artista diz ser uma pena que suas obras são valorizadas mais fora do que na sua própria cidade.
Em certo momento, começamos a falar do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha e ele falou detalhes da experiência e disse que nunca foi lá. Fiquei admirado pelos detalhes que ele sabe sem nunca ter feito o caminho. Ele disse que nesta vida ele não foi, mas em vidas passadas ele já tinha feito o caminho. Epa, a conversa enveredou para o esotérico, com opiniões religiosas, tentei mudar o tema, ele continuou, nos despedimos e ele deu seu conselho final: “não percam tempo buscando belezas naturais ou tentando fazer por outras pessoas. Procure mais o crescimento interior”.
Será que existe outra forma de crescimento interior, sem ser a sabedoria que o Senhor nos ensinou, que não passe pela harmonia com a natureza e amor ao próximo?
A cidade respira cultura. Existem ateliês de pintura, cerâmica, papel mache, tecidos, arame, plantas, vidro, madeira…
Estão em todas as ruas. Artistas se esbarram nas vielas apertadas. Muitos vendem suas obras para investidores e a maioria as negociam na própria cidade em lojas de artesanatos e pelas feiras de rua.
Os portões da Pousada precisam ficar fechados para impedir a entrada de loucos da rua, que entram, dormem nos jardins, pegam comidas no café da manhã e é muito complicado tirá-los depois que entram. Os loucos de rua, abandonados pela família, não são os mesmos. Sempre mudam e sempre aparecem novos com loucuras diferentes.
Aqui a violência tem um controle. São delegacias, câmeras em pontos estratégicos e muitos policiais de carro, moto e a pé. A vigilância dividida entre a prefeitura e o estado, com uso de tecnologia moderna, propicia condições para inibir a violência. Podemos ficar tranquilamente na praça, a qualquer hora, sempre bem vigiados. Veja uma das câmeras, bem na esquina que aparece na foto.
Perguntando e caminhando conhecemos os pontos turistico passando por casarões pintadinhos. A impressão é nítida que as pessoas não cuidam da melhor forma. Se tem que arrumar remendam, a pintura e borrada e a limpeza não chega nos cantos.
As calçadas e as ruas de pedra são boas mas o meio fio é alto, ruim para o pedestre.
Outro dia uma menina no hotel em que ficamos hospedados, lembrou de uma história: “o pedreiro que estava se aposentando, recebeu uma ordem do patrão para construir uma última casa. Ele ficou bravo, cumpriu a ordem e não caprichou na construção. Quando terminou, o patrão lhe fez uma surpresa. Pelos anos de dedicação na empresa, presenteou-o com a casa que ele acabara de construir”.
Em muitas obras falta nobreza por parte da engenharia, da mão de obra e da fiscalização.
Um dia perguntaram a um homem que estava assentando tijolos: O que você está fazendo? Ele disse: estou fazendo uma parede. Perguntado a um outro a resposta foi de pessoa nobre: Estou construindo uma catedral. Que bom se todos fizéssemos para os outros o que gostaríamos que fosse para nós mesmos.
Pela cidade, perguntamos para várias pessoas, passamos por várias igrejas, pretendendo ouvir canto gregoriano. Depois de muita procura e informações erradas, chegamos no local e fomos informados que o canto que acontece em um convento estava suspenso. Voltamos passeando.
Fomos fazer serviços de banco e conhecer a orla ao norte de Olinda. Para quem a gente perguntava, diziam que era muito longe é que deveríamos pegar um taxi ou ir de ônibus. Andamos somente 2 km até o banco pela orla dos gatos.
No calçadão da praia tem gatos de todas as cores, pequenos, grandes, bonitos e feios espalhados pelas árvores, na calçada, no meio das pedras, em baixo do banco, sempre na sombra. Pessoas levam ração para eles naquele local. É uma comunidade de gatos, literalmente.
O vigia da pousada que fica a noite, como tinha tempo, passou a ajudar as copeiras no café da manhã. Ele procura adiantar os afazeres na madrugada e quando elas chegam, sentam e tomam café ainda antes dos hóspedes e ainda reclamam quando falta alguma coisa na mesa. Cobram como se fosse ele o culpado. Ele me disse que assim era humilhado pelas copeiras. Diante da reclamação, recomendei a ele que não fizesse mais o que não era de sua atribuição. Ele me disse que o patrão já falou isto para ele e que ele não iria fazer mais.
No dia seguinte, levantei cedo e o café já estava pronto. Quando me viu tratou logo de explicar. Disse que como eu gostava do café que ele preparava, iria fazer enquanto eu estivesse hospedado e que depois que eu fosse embora da pousada, não iria fazer mais.
Na verdade ele gosta de ajudar e fazer o café. Pena que as preguiçosas copeiras não entendem e promovem desavenças.
Despachamos mais uma caixa pelo correio.
Olinda dona Olinda. O nome desta cidade é o mesmo da minha mãe. Dona Olinda. Viúva ainda jovem, criou cinco filhos com a destreza de um pai e o carinho de uma mãe. Conheceu netos, bisnetos e faleceu aos 74 anos e me deixou uma vontade impossível de voltar o tempo e fazer muito mais por ela.
Ao fundo, Recife vista de Olinda.
Recife/Olinda fica recomendado. Agora vamos rumo ao Agreste, no sertão do Pernambuco e da Paraíba.
Thank you for the excellent post
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