A menina da pousada nos disse que nasceu na região e que já foi até Fortaleza mas não gostou do asfalto e da calçada. Disse ela que é muito duro para andar. Por aqui até o piso das lojas e restaurantes são de areia.
Tentam evitar novas construções, impedem o trânsito de veículos não autorizados, tentam retirar nativos de lugares que querem preservar, travando uma luta constante de quem quer morar e progredir com quem quer preservar. Por mais que tentem o bom senso, o pobre reclama que o rico consegue benefícios e eles sofrem pressões para abandonar suas propriedades.
Um nativo me disse algo a se pensar “por que proibir e dificultar as pessoas de viver em meio a tanta beleza? Se é bonito as pessoas tem mais que usar e não ser proibido”. É uma visão interessante e não muito errada se o humano não pode usufruir do belo então para que serve o belo. Neste caso a parcimónia seria a salvação. Liberdade vigiada e educativa, não proibitiva e, se for para proibir, que seja para todos e não somente para quem tem poucos recursos financeiros.
Uma caminhada da vila até a pedra furada, símbolo maior de Jericoacoara, pelas montanhas de areia, com caminhos ainda a serem formados, como disse o poeta latino “Caminhos se fazem ao andar”.
A pedra furada fica estrategicamente localizada numa pequena praia e só é possível chegar a pé. A todo momento chega e sai gente para tirar suas fotografias e perpetuar aquele momento. A maioria tira foto e vai logo embora por que o guia estipulou um tempo de parada.
Nós ficamos por horas no local observando a todos e deixando nosso corpo e pensamento soltos para aquele momento. Não fizemos somente uma visita para fotos, curtimos muito aquele espaço tão desejados por turistas de todos os cantos do mundo.
Antes e depois do carangueijo é possível tomar um banho de rio ou nos chuveiros instalados no mangue, ao lado do rio e da barraca que serve os carangueijos.
Pelas ruas, porcos, galinhas, cachorros, bodes, cavalos e vacas convivem soltos.
Em quase todo o nordeste, especialmente nas cidades pequenas, o uso do capacete e da idade mínima para pilotar motos não são fiscalizados.
Em dois municípios ficamos sabendo que os vereadores tentam contrariar o Código Nacional de Trânsito, liberando o uso do capacete. Alegam que dificulta a identificação do bandido em caso de assalto e que as motos são meios de transporte muito comum e muitas vezes únicos em determinadas regiões, por isso, as regras devem ser diferenciadas.
Vejam duas situações comuns de desrespeito às normas, mas que acabam como uma das poucas opções de transporte na região.
É a terceira vez nesta viagem que um cachorro adota a gente por algumas horas.
No trajetos piscinas se formam na praia e um banho é irresistível. Encontramos barracas abandonadas, pontes, mangues e riachos que merecem uma parada para observar. A Ade registrou nossa passagem pela barraca já quase engolida pelas areias.
Chegando em Jericoacoara uma duna com muitas pessoas esperando o pôr do sol, que hoje não pintou, estava nublado. Mesmo assim permaneceram até o último momento ao escurecer.
Caminhamos pelas dunas, por um caminho mais distante, subindo e descendo montanhas de areia até chegar na duna pôr do sol, onde novamente dezenas de pessoas estavam esperando o espetáculo e novamente fomos sacaneados pelas nuvens que taparam o esconder do sol no horizonte do mar.
Pela manhã sim, ele brindou quem acordou cedo.
Caminham sempre devagar usando chinelos ou descalços e o short e camiseta é a moda permanente para a maioria de homens e mulheres. É uma cidade pacata que se mostra agitada ao entardecer quando os turistas voltam dos passeios e lotam os bares com músicas ao vivo.
Tenho certeza que seria uma experiência fantástica morar neste local por mais que trinta dias. Aqui tem vida com qualidade.
Talvez nem saibam das manchetes de hoje no mundo todo que falam dos meteoritos que atingiram a Terra na Rússia. Foi mais um acontecimento para complicar ainda mais o nosso entendimento a respeito do futuro do nosso planeta e da humanidade. Existem sinais dos homens: o papa renunciou. Existem sinais da natureza: meteoritos de 10 toneladas atingem a terra. Existem sinais da ciência: aquecimento gradativo. Existem sinais da previsão: calendário Maia. Existem sinais da fé: Jesus voltará.
Mesmo ligando todos esses fatos, não existe uma forma de prever a evolução natural das coisas e por mais que tentarmos mudar as ocorrências, poderemos somente melhorar a hora atual, verdadeiro presente, ou no máximo, planejar e direcionar curtos períodos, desde que não interfira no fluxo maior de todo o universo.
É bom pensar sempre em como será. Só não vale sofrer por imaginar como seria um fim ou um caos instalado nos seres racionais que não poderão preservar a própria espécie mas podem e devem melhorar a estadia no presente.
Saindo de Jericoacoara alugamos uma caminhonete que nos levou até Jijoca, onde deixamos a moto, passeando pelas dunas e pelas lagoas no trajeto.
O motorista, Aparecido Ribeiro, repentista de família, veio contando histórias e declamando rimas famosas de nordestinos pouco conhecidos.
Durante a viagem eu dava o tema e ele fazia as rimas.
Algumas eu anotei. Quando falei a ele o nome da Adenilde ele tentou falar, não conseguiu e declamou:
O nome da senhora e tão difícil de decorar,
já tentei várias vezes falar
e a língua começa a enrolar.
Depois fez outro:
A Ade para vir pro Ceará,
não fez muito sacrifício,
largou em Curitiba seu edifício
e se amarrou no bigode do Maurício.
E mais outro:
Eu admiro o piloto,
por causa do seu perfil,
em cima da sua moto,
merece belezas mil
e ele é quem percorre as estradas do Brasil.
Um anônimo enviou esta mensagem “A viagem parece espetacular, como sempre são as viagens de moto. Mas o protagonista precisa lembrar que está viajando e curtir mais, sem se estressar com tantos problemas de consumo, de estrutura, de opinião política, de análise social e até de vestuários dos locais, etc, etc. O nível de críticas, observações negativas e reclamações é bem maior que o de elogios ou “curtições”. Viajar de moto não é para fazer análise política e sim para diversão, esse é o conselho que deixo, ao lado de meus parabéns pelo excelente projeto de vida. Grande abraço e boa viagem de outro Viajante de moto. “.
Não queremos somente curtir a viagem de moto. Queremos registrar tudo que eu e Ade estamos vivenciando. Queremos falar da beleza que é curtir uma viagem nos vários aspectos, especialmente daqueles que envolvem a qualidade dos humanos nas diferentes regiões.
Queremos vivenciar o prazer de viajar de moto, conhecer os locais, as pessoas, comentar as decisões, o jeito de fazer as coisas, a parcimônia, a caridade, a necessidade, o descaso, a alegria, o costume, a comida, a virtude, a honestidade, o preço, a política, a tendência, a infraestrutura, o convívio, o comércio, a produção, o clima, a roupa, a sujeira, o trânsito, o comportamento, o perigo, a beleza e tudo mais que passar pelas nossas vidas durante a viagem.
Assim, esta cena de um cachorro folgado que esculpiu sua própria cama na areia da praia, não podemos deixar escapar.