Descemos a Serra do Ceará como se estivéssemos no Sul no Brasil. Estradas sinuosas, montanhas e clima mais ameno. Ver isso bem ao norte do nosso País, onde o serrado, as planícies e as areias dominam a paisagem, foi muito agradável.
Já em Jijoca de Jericoacoara, paramos para abastecer a casa no supermercado e seguimos para o camping do Tião, famoso nas redes sociais entre os motorromeiros, tanto pelo atendimento, como pela estrutura e principalmente pela localização.
O Tiao nos recebeu e nos deixou a vontade para escolher onde estacionar. Hora de procurar o melhor local considerando os desníveis do terreno, sombra, galhos que podem cair, ficar perto de uma torneiras e de uma tomada de energia, abrigado um pouco do vento, enfim, escolher o melhor.
Assim o fazemos a transformação do carro em casa. Eu tenho que abrir o toldo, ligar o cabo de energia, instalar o filtro e a mangueira de água, limpar o terreno, colocar o piso, tirar e montar a mesinha. Enquanto isso, Ade transforma o interior do carro em uma casa com toalhas e vaso de flores e de frutas na mesa, vira banco do carona na sala, verifica armários e geladeira e prepara a rotina da casa, como limpeza do pó e lavar roupas.
As tarefas são divididas entre eu e Ade de uma forma natural, claro que algumas são especificas. Eu fico mais voltado para o pesado e ela fica mais voltada para o conforto. Funciona bem.
Fomos até os vizinhos, fazer novas amizades e já reencontramos amigos de outros campings. Logo recebemos um convite para sentar e lá ficamos para um jantar coletivo, um deliciosa sopa espanhola feito por um dos casais. Comemos e continuamos por horas a recordar é contar novas histórias.
Pela manhã um saco com três pães estava em nossa mesinha, cortesia do Tião para todos os hóspedes.
Estamos pé na areia da Lagoa Paraíso em Jijoca, um dos povoados de Preá, num dos cantinhos mais encantadores do Brasil.
Esse cantinho do Brasil, formado por Preá, Jericoacoara e Jijoca de Jericoacoara, está para ser privatizado e, nesta semana, o edital foi postergado pelo governo federal.
Não fosse a busca do lucro que certamente está envolvido, seria uma boa iniciativa, pois certamente traria melhorias estruturais para o turismo. O problema poderá ser os valores de ingressos que serão praticados e a monopolização da mão de obra. Sem contar, explorações desenfreadas do meio ambiente que podem ocorrer.
A cor da água da Lagoa parece esmeralda, límpida e a temperatura super agradável. Por capricho do Tião tem redes e mesinhas dentro da água, que oferece mais conforto e belas fotos.
Pela manhã fui fotografar o nascer do sol na lagoa. Tinha mais pessoas assistindo o espetáculo mais um deles estava trabalhando ali, com seu computador e caderno de anotações. Que privilégio ter um posto de trabalho com tamanha interação com a natureza.
Assim vivem muitos caravanistas atuais, trabalhadores nômades temporários.
O Tião me contou que sua mãe nasceu naquela casa em frente e criou seus 6 filho tudo ali. Quando ela morreu, deixou de herança alguns terrenos. O Tião ficou com um bom pedaço de terra, enfrente a Lagoa do Paraíso.
Ele não sabia oque fazer com a terra até que um dia uma mulher disse pra ele. Porque você não monta um camping. Ele disse “O que é isso?” Ela explicou e ele resolveu encarar o novo negócio. Ela também deu a ele uma barraca pra ele morar e cuidar do local.
Assim o Tião começou seu camping e usou uma estratégia sensacional de marketing para alavancar o negócio. Ele trocava constantemente sua barraquinha de lugar dentro do terreno para mostrar que tinha bastante lugares e dar a impressão que sempre tinha gente acampado. Deu certo. Logo apareceu um hippie, que contou pro outro e mais outros vieram, depois veio uma moça que divulgou na internet e hoje ele tem um dos campings mais elogiado, procurado é visitado em todo Brasil. Tudo rústico, mas aconchegante e bem localizado.
Os campistas tem estilos, podemos dizer, despojados quando vivem no camping, por isso até muitos preferem espaços simples e rústicos para acampar. Os homens quase sempre usam short, camiseta, chinelo e as mulheres com biquínis e um vestido leve ou canga e chinelo. Sentam em cadeiras de praia e conversam, fazem comidas e alguns apresentam seus dotes artísticos.
Um dos campistas nos brindou com uma hora de show musical com direito de fazer pedidos de música. Acaba todos cantando junto quando a música é boa. Ele viveu como artista a vida toda e hoje vive como campista.
Conversando sobre lendas do Ceará com um morador que vive na região de serras, fiquei conhecendo a lenda da “perna peluda”. Ele me contou que quando era pequeno todos e ainda hoje muitos tem medo da “perna peluda”. A lenda conta que uma perna peluda, uma só, se aloja dentro do guarda roupas a partir das seis horas da tarde, na casa de alguns. Pouca gente se atreve a abrir as portas dos armários depois das seis. Ele próprio me confessou que é um pouco cismado até hoje.
Conversei também com o Talmaturgo, um professor universitário, neto de coronel, de família tradicional do Ceará. Ele apareceu em casa e conversamos por um longo tempo sobre muitos fatos interessante da vida e do Ceará. Me contou sua história e disse que na pandemia começou com uma crise de ansiedade e ficou muito mal. Um dia vendo na tv, resolveu adotar um novo hobbie. Comprou equipamentos, fez um curso e se tornou um detectorista. Ele vai nas praias mais movimentadas e passa seu detector de metais caçando tesouros na areia. Já encontrou muitos anéis, brincos , pulseiras, relógios, moedas e chaves de carro. Quando não acha o dono ele vende os tesouros em Fortaleza. Disse que já pagou pelo investimento feito só com seus achados. Quando encontra os donos disse que é melhor ainda, só de ver a felicidade das pessoas em reaver uma joia de estimação ou as chaves do carro que foi perdida nas areias. Depois que começou a garimpar, acabaram seus problemas de saúde.
Grande Taumaturgo, um homem inteligente que reaprendeu a viver. Me deu uma aula teórica e prática de como ser um detectorista.
Enquanto Ade saiu com amigas para caminhar e colher cajus nas dezenas de árvores em torno do camping, eu fiquei numa aula de drones dada por um campista.
Ele trabalha só com drones dando aula de pilotagem e fazendo filmagens contratadas por empresas e canais de televisão. Pensa num cara bom de pilotagem, o melhor que já vi. Ali na rodinha também descobri um outro campista que tem um loja que conserta drones, na cidade dele, Mossoró no Rio Grande do Norte. Como meu drone está com um problema para carregar a bateria do controle remoto, entramos em acordo e ele levou meu drone para arrumar. Quando passarmos por Mossoró eu vou na casa dele buscar ele consertado e atualizado, mas pilotar como o professor ainda será questão de tempo, muito tempo.
Nos campistas levamos cada sorte. Se ficarmos na camping encontramos bons amigos. Se saímos caminhando pela cidade, conhecemos a arte urbana, as pessoas, as lojas, as comidas e os pontos pitorescos, quase sempre caminhando. Neste dia foram 8km.
No camping é comum aparecer pessoas para vender seus produtos caseiros. Pela manhã veio uma senhora e seu filho trazendo mocororó, carne de caju, passoca de caju, cajuína e geléia de caju.
Oque achei mais curioso, foi mocororó, uma bebida que fermenta quando fica guardada na garrafa de vidro. Com o tempo ela aumenta o teor de álcool e vira champagne. A tampa da garrafa tem que ser de sabugo de milho para não explodir quando começa a fermentar. “Isso é bicho bom mas tem um processo doido”, disse a mulher.
A cada dia novas atividades surgem ou fazemos surgir. Agora pegamos a jardineira do filho do Tião e fomos conhecer a região leste, junto com outros campistas.
A primeira parada foi no Lago Azul de Caiçaras, um buraco aberto para tirar terra para construir a estrada e que começou a brotar água azul ou verde, por conta dos minerais ali concentrados. O dono logo pensou no turismo e construiu uma bela estrutura em torno do buraco.
Depois paramos em outro buraco que também foi aberto para construir a estrada e agora também se tornou centro de turismo, com cobrança de ingresso. Tem vários atrativos para o banho e cantinhos que enaltecem as fotos.
Seguimos para ver mais umas dunas que ficam próximas de uma plantação de coqueiros. Nada mais bonitas do que todas as outras. Nós já estávamos com fome e mesmo assim o guia seguiu para as dunas dos coqueiros.
Voltamos pelo mesmo caminho e finalmente chegamos no restaurante, quase todos famintos. Todos sentados e com o cardápio em mãos, vieram os sustos com os valores. O comentário foi geral e, com certo constrangimento, cada um fez o pedido. Comidas caras e sem outra opção de tempo ou outro restaurante por perto. Cada um pediu um prato que melhor lhe cabia no estômago e no bolso. Acho que todos optaram primeiro pelo bolso. Comemos uma comida muito bem apresentada, saborosa, cara e em pouca quantidade.
Depois, olhando as fotografias nas paredes, descobrimos que por ali passam muitos artistas e famosos. Agora entendi, pagamos o preço da fama e o responsável foi o guia. Ele deve ter confundido a gente com famosos ou talvez tenha comissão no negócio.
Seguimos para a comunidade de Jericoacoara, a queridinha da região. O povoado cresceu depois que estivemos aqui em 2.012. Agora tem portaria de entrada onde se paga ingresso e pode trafegar carros pelas ruas de areias. Antes não podia. Não é atoa que querem privatizar.
Além do grande fluxo de turistas o ano todo, e também por causa disso, notei que a exploração com poucas regras está degradando o paraíso. As montanhas de areias já não são tão altas, os nativos se espalharam em comércios ambulantes, as usinas cólicas estão se instalando, grandes hotéis foram construídos e outros maiores ainda estão sendo construídos. A coleta de lixo, a rede de esgoto e água potável não são da melhor qualidade como reclamam os moradores, e o pior, as estradas de acesso se multiplicaram e os carros circulam por todo lado, principalmente os veículos 4×4 de particulares, que derrapam pelas areias da praia e das dunas. Se não cuidar, vai acabar sendo engolido pelo descaso.
A agito em Jericoacoara acontece a noite, onde os drinks vendidos na praia e os restaurantes estendem seus convites pelos caminhos de areia. No povoado não tem asfalto.
Passeamos a tarde pela cidade, fizemos um lanche para completar o espaço no estômago deixado no almoço caro e seguimos para ver o pôr do sol numa das dunas, escolhidas pelos guias. Tinha muita gente para ver o espetáculo. Chegam dezenas de jardineiras e alguns carros particulares. São muitas pessoas pisoteando as dunas, mas o espectáculo vale muito a pena e todos temos o direito de apreciar.
Com certeza, o colorido da natureza por aqui ainda vai encantar por séculos e séculos, assim seja. Imaginem essas cores ao vivo. É fantástico.
Na chagada do passeio de jardineira, que durou o dia todo, o Tião veio com uma garrafinha de cerveja para cada um.
Nestes dias que ficamos por aqui, percebemos o motivo de tantos elogios para o Tião. Além de nos receber no paraíso, ainda tem um tratamento carinhoso e cordial com todos.