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Depois de 27 dias que saímos da nossa casa branca na beira do rio, chegamos a um dos destinos mais desejados da viagem. Dizem que a felicidade está no caminho, por isso passamos vagarosamente pelos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e agora já estamos na Bahia, na cidade de Porto Seguro, onde ficaremos por mais tempo estacionados como roda quadrada, no camping em frente a Praia do Mundaí.
Aqui a vida anda mais devagar, seguindo um dos preceitos de alguns sábios baianos: “Não faça agora o que você pode deixar pra depois. Depois pode ser que você nem precise mais fazer”. Isso é gestão do tempo.
Em Porto Seguro circulam e vivem pessoas alegres, festeiras, hospitaleiras e prestativas. Tem um dos melhores climas por onde já passamos. Entre os meses de março a outubro, a temperatura fica em torno de 2o a 28 graus, ventos frescos, água do mar agradável e, às vezes chove a noite.
No inverno, o camping fica lotado de campistas vindos do sul, que estacionam suas casas rodantes e vivem num quintal temporário por um, dois, três meses ou mais.
Muitos chegam com excelentes e caríssimos equipamentos. Gente que tem recursos par viajar de avião e ficar em hotéis, mas preferem o campismo, estacionados em locais privilegiados, com o conforto do lar. Cada campista tem seu equipamento próprio personalizado com preços que variam de poucos mil a mais de milhão.
Por que preferem o campismo?
Perguntei a alguns e a resposta foi praticamente a mesma e muito simples: “É porque eu gosto”. Alguns já praticam o campismo há mais de 30 anos e muitos estão começando, ainda cheios de dúvidas, testando a vida livre, ficando onde quiser, escolhendo onde quer estar, vivendo a maior parte dos momentos de forma plena, felizes, fazendo amigos e se integrando com a natureza.
Viver a vida como nômade temporário, viajando sem dia marcado para voltar, foi a vida que Ade e eu (e muitos outros) escolhemos para Depois do Trabalho, buscando nos preparar para o bônus da vida.
No Depois do Trabalho, entenda como Trabalho, o tempo ocupado para ganhar o sustento numa atividade regular, remunerada ou assalariada. Trabalho em troca de dinheiro. O trabalho em sí nunca cessa para o ser humano, mas o esforço para ganhar dinheiro deve cessar, justamente para realização dos sonhos que ficaram reprimidos.
Para melhor entender, vou dividir o tempo de vida em quatro fases: Antes do Trabalho, Durante o Trabalho, Depois do Trabalho e o bônus.
Antes do Trabalho é o tempo do depender, do nascimento aos primórdios de se tornar sustentável. Se alguém não te cuidar nesta fase você padece.
Durante o Trabalho é quando a vida se torna sustentável não dependente mais de ninguém. É quando você assumi responsabilidades, tem compromissos de rotina e cumpre com a ordem social, para não padecer.
Depois do Trabalho é quando você não precisa mais do Trabalho para ganhar dinheiro, quando não tem mais compromissos de rotina e passa a ser dono do próprio tempo. Existem muitas opções para passar pela vida Depois do Trabalho. Na minha opinião (e da maioria), viajar é uma das melhores formas de desfrutar depois dos 50/60 anos de idade. Depois do Trabalho é tempo de estar livre e realizar sonhos.
Passado bem as três primeiras fases vem o bônus, com os inerentes desafios depois dos 75/80 anos de idade. Mas sobre isso eu ainda vou escrever no futuro. Agora é tempo de viver bem o Depois do Trabalho, fase que Ade e eu estamos vivendo como nômades temporários, mudando sempre o quintal, cativando vizinhos e interagindo com a natureza.
Ade e eu estamos em busca do bônus, provavelmente uma fase espiritual e uma preparação para o suspiro derradeiro. Certamente será tempo de recordar e refletir, sem nunca deixar de sonhar.
Quando perguntei sobre o futuro para o Álvaro que deixava o camping retornando para o sul onde mora na casa fixa, ele respondeu que iria fazer acompanhamento médico, fazer a revisão no motorhome e que estará de volta no ano que vem. Álvaro está com 86 anos e viaja com sua esposa Magda com 83 anos. Uma inspiração de como chegar bem para o bônus.
Ontem conversei com o senhor com 79 anos. Durante o Trabalho, ele construir um patrimônio e teve o prazer de criar filhos sucessores. Seus dois filhos assumiram os negócios da família e hoje ele pode desfrutar o Depois do Trabalho com viagens e com o campismo. Prefere ficar com o motorhome num camping do que ficar em hotéis. Ele disse que o camping tem quintal, onde as pessoas ficam mais tempo fora da sua intimidade e recebe mais amigos. Pura verdade.
Na praia conheci um homem que fazia exercício de forma intensa. Ele subia, descia, fazia flexões, simulava corrida, entrava na água e assim ele ficou por um bom tempo. Quando ele terminou fui conversar com ele.
Me contou que é aposentado e trabalhou durante muitos anos no comando de uma corporação. O sonho dele é viajar mas não consegue porque não tem um acordo entre os familiares, não há uma concordância nos sonhos, cada um sonha uma coisa e as direções diferentes impedem a realização de todos.
Me lembrei de Raul Seixas quando afirmou: “sonho que se sonha só é só um sonho, mas sonho que se sonha junto é realidade”. É preciso fazer a Gestão dos Sonhos. Perguntei ao comandate se ele não estava tratando a família como no quartel, impondo a lei. Ele parou, pensou, disse que não e reclamou que a esposa e a filha fazem uso excessivo das redes sociais. Parentes e amigos também interferem e não eles não se organizar para fazer viagens.
Resultado: o comandante se afasta da família e se dedica aos exercícios físicos, em torno de seis a oito horas por dia, todos os dias, para passar o seu tempo Depois do Trabalho.
Sonhar, só ou juntos, requer organização, usando os preceitos da Gestão, elaborando planos de ação. Quando se fala, se escreve e pesquisa sobre o sonho a ser realizado, ele já começa a acontecer. É preciso perseguir e dirigir rumo ao sonho e, se for juntos, melhor ainda.
Nos quintais escolhidos por motorromeiros, você pode entrar ou sair numa roda e participar da conversa. Na conversa de quintal surgem as festas, para reunir parte ou todos acampados. Basta um ter uma idéia que todos aprovam e se organiza um almoço e até um espetáculo.
Um dia teve linguiça com pão, no outro pescoço de peru com polenta, no outro paella, sem contar as comidas que se juntam ou se trocam quase todos os dias nos toldos dos motorhomes. Quando um faz uma receita diferente, leva um pedacinhos para os outros e depois vem as trocas.
Quase todos os dias uns vão embora e outros chegam no Mundaí, levando e trazendo novas histórias. Assim eu conheci o Coronel, 69 anos já na reserva militar. Ele foi diagnosticado com uma doença grave e um médico que pensa que é Deus, deu ao Coronel apenas um ou dois meses de vida.
Ele não pensou duas vezes. Comprou um motorhome e saiu para viver mais intensamente, considerando que o médico pode estar certo. Na sua casa carro ele trouxe alguns tipos de transporte e me disse que é apaixonado por “transporte esquisito”. Viajando com sua esposa e com suas máquinas de andar, ele diz que aprendeu que nada mais pode estressa-lo. Disse que demorou mais aprendeu.
Desde 2014, venho mantendo meu site depoisdotrabalho.com.br, registrando nossas aventuras com viagens. Um vizinho também campista, consultor do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, que registra Marcas e Patentes, me perguntou se eu já havia registrado essa marca. Eu disse que não. Ele não só me convenceu, como providenciou o registro na marca Depois do Trabalho, sem custo, por pura amizade temporária.
Dois tocam violão, um toca bateria eletrônica, outro toca cavaquinho, outro chocalho, outro é DJ, outro é radialista e, no final da tarde, cada um chega com seus instrumentos e equipamentos, formando rapidamente uma improvisada banda musical.
Cada um afina seus instrumentos, arrumam os cabos dos equipamentos, se ajeitam nas cadeiras, o público começa a chegar e o show começa? Não!. Na verdade o show começou quando decidimos fazer o show.
Um puxa a música e todos acompanham. Os antigos cadernos com as sifras musicais, agora na tela do computador, as vezes mais confundem do que ajudam no repertório. Para cada canção completa, acontecem várias tentativas e desistências, mas só os refrões cantados já encantam.
A plateia forma um auditório, cada um com sua cadeira, aplaudem, fazem pedidos e cantam juntos. Alguns se empolgam e até arriscam uma dança.
O baterista da bateria eletrônica, disse que tinha medo do chocalho e que se não for bem tocado, atrapalha o ritmo. O pior é que o cara do chocalho sou eu e o medo dele aumentou minha responsabilidade. No final ele me disse “até que você foi bem”.
Terminado o show, recolhemos as cadeiras e instrumentos e seguimos para o aconchego dos motorhomes, por volta das 22 horas, um pouco mais felizes.
O Final da noite do campista quando se recolhem, se altera em jogar cartas, ler um livro, assistir tv ou filmes ou navegar pelas redes sociais.
Ontem Ade e eu assistimos o filme The Leisure Seeker (o buscador de lazer) que conta a história do casal Ella e John (nome do filme em português na Netflix) que, já na idade do bônus, decidiram pegar o antigo motorhome e fazer uma última viagem. Ele com debilidade mental e ela sofrendo com uma doença terminal, resolveram fugir sem a concordância dos parentes, que ficaram desesperados com a fuga do casal idoso e doente.
Durante a viagem as doenças deles se manisfestam, deixando o decorrer do filme triste e alegre. No final, quando alcançam o objetivo de chegar numa cidade ao sul, após vários dias na estrada e dormindo em campings, a mulher toma uma decisão surpreendente. Mas eu não vou contar o final. Quero só dizer que o sonho é assim, nunca pode parar e sempre se realiza quando o sonhador dirige na direção dele.
À disposição física e mental nunca podem se aposentar, em tempo algum. Os casos de pessoas que viajam que narrei neste post, são formas de vida escolhidas por gente que deseja estar pleno, feliz a maior parte do tempo, até quando terminar o bônus da vida aqui na terra.
Este somos nós vivendo em plena fase Depois do Trabalho, já sonhando e planejando para alcançar nosso bônus cheio de saúde e disposição.
Show parceiro, vamos curtindo e acompanhando vc e a Ade. Que Deus continue abençoando e protegendo vcs hj e sempre. Abraços. Mario Rogerio.